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📷 Foto: Reprodução |
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Irecê Notícias. Os conteúdos apresentados na seção de Opinião são pessoais e podem abordar uma variedade de pontos de vista.
Para quem não sabe, eu coordeno um curso livre de artes cênicas chamado “AABB Encena”. Em cada edição, elegemos um tema que vai nos nortear, no ano passado, elegemos a seguinte temática: “território e pertencimento na construção de uma identidade coletiva”. Basicamente, nos perguntamos como o território em que vivemos influencia nossa personalidade, pensamento, dialeto e todos os outros fatores que compõem um povo. O que nos levou diretamente à pergunta: “o que é ser ireceense?” Como toda identidade, é difícil a definição cabal, mas, ao fazer essa pergunta, é provável que você escute um pequeno silêncio seguido da seguinte resposta: “Irecê só tem bar e cachaça”. É bem verdade que todo estereótipo guarda em si algum reflexo da sociedade, ainda que mal compreendido, e que os bares são vários e dominam a noite da cidade, porém, como artista da terra que sou, não posso jamais confirmar essa prerrogativa. No entanto, ao negar esse estereótipo eu automaticamente me obrigo a buscar outras respostas. Não é fácil, mas a reposta artística que encontrei chama-se “Manifesto Carahybas”.
A antropofagia muito assustou os invasores portugueses quando aqui eles chegaram, pois trata-se de uma ritualística que envolve ingerir a carne humana dos inimigos mortos em guerra. Sim, você não leu errado: carne humana. Dessa forma, os povos indígenas que realizavam a prática, esperavam consumir também as forças de seus inimigos e até, acreditavam algumas tribos, as suas fraquezas. Mas aí cê me pergunta: -Ô, Assis, mas o que diabos “issaí” tem haver com arte, cultura e Irecê? -Tudo, meu caro leitor. Tudo! Seja paciente com minhas contextualizações. Só assim pode-se falar algo verdadeiramente importante. Foi um texto chamado “Manifesto Antropofágico” que inspirou um dos maiores eventos da arte brasileira: a semana de arte moderna de 22. O escritor do manifesto, o senhor Oswald de Andrade, ao redigir frases como “tupi or not tupi. That its the question”, convocou os artistas brasileiros a praticarem a antropofagia artístico-cultural; comer, beber e deglutir as artes de vanguarda europeias na intenção de absorver as suas forças, mas cuspi-las de volta numa forma mais abrasileirada. Daí surge a grande obra “O Abaporu”.
Pois quero ir além! “Só a antropofagia nos une”, disse Oswald de Andrade! O que proponho, portanto, é que a arte ireceense tome os mesmos rumos, que coma e beba Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Hollywood se necessário, com todas as suas estruturas, técnicas e mercados culturais, não para copiá-los, nem tampouco adorá-los como divindades maiores, mas para produzir uma arte feita na terra que não deva em nada - pois já não deve - ao que é feito em grandes centros. O que descobri é fascinante. A resposta para o que é ser ireceense é justamente o fato de não ter resposta. A identidade cultural de Irecê, ao contrário de outras, como a nordestina, por exemplo, não está dada como fato consumado e de difícil mudança. Ela está em debate, em disputa, como a bola que sobrou no meio de campo após um chute desesperado da defesa. Mire, veja, somos nós a geração que pode inaugurar o movimento modernista ireceense, que pode destinar às próximas gerações os significados implícitos e explícitos da palavra Irecê e marcar o gol que define a memória de um povo.
Conselheiro, o profeta dos Carahybas
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